Autor Tópico: Reformando uma plaina South Bend 7"  (Lida 8353 vezes)

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Offline Ivan

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Reformando uma plaina South Bend 7"
« Online: 18 de Agosto de 2009, 21:22 »
Ainda falta bastante coisa, mas vou colocando aqui o que já fiz, caso contrário vai dar preguiça de colocar tudo depois. :)

Há alguns meses, falando de plainas o Rubens (RAranda) mencionou ter vistou uma em uma sucata.
Numa das diversas enormes demonstrações de gentileza que ele tem dado, ele pegou e guardou a plaina para mim.
Aproveito para agradecer a ele mais uma vez.
Estas são as fotos de quando eu a trouxe.




O número de série indica que foi fabricada em março de 1963.


 
Uma plaina destas em 1962 custava U$680 - Em valores atuais, U$5000 ou R$10 mil.



As plainas foram muito populares do fim do século XIX até a década de 70, quando foram sendo substituídas por fresadoras, creio que com a popularização das ferramentas para elas (fresas).

Uma fresadora é uma ferramenta muito mais versátil do que a plaina, na comparação tem muitas vantagens e algumas poucas desvantagens. Uma fresadora é mais rápida e tem avanços controlados nos 3 eixos, permitindo cortes cegos, furos etc.
Por outro lado, a plaina usa bits de aço rápido, que custam menos de R$10 e podem ser reafiados no esmeril à mão. Já a fresadora utiliza ferramentas caras (uma fresa para rabo-de-andorinha tá quase R$100), e a maioria precisa de uma afiadora para ser reutilizada. E para alguns poucos serviços específicos (chaveta interna, rabo-de-andorinha), a plaina é superior à fresadora.

Mas para um uso hobby, em que produtividade não é a principal preocupação, a plaina ainda é uma companhia divertida. E essa tem um tamanho ideal para esse uso. Perto de uma plaina 400mm, é um brinquedo. Mas ainda assim dá pra fazer bastante coisa. Usando alguns artifícios (ex. furos de escape), é possível realizar a maioria das aplicações mais usuais de uma fresadora.

Apesar de muito bem conservada, com ainda o rasqueteado de fábrica visível em todas as guias, a plaina tinha algumas coisas faltando e outras inoperantes/quebradas.
 
- Fuso transversal ausente
- Mecanismo de avanço transversal ausente
- Manípulo e colar micrométrico do avanço transversal ausentes
- Porta-ferramentas ausente
- Motor ausente
- Morsa ausente
- Polia do motor quebrada
- Eixo da polia do motor torto
- Sistema de lubrificação inoperante e entupido
- Parafuso-trava do carro da ferramenta torto e travado
- Régua do carro da ferramenta torta
- Guarda da correia do motor ausente
e mais umas mixarias.
 
Tudo se mostrou muito trabalhoso, os acessos dela são ruins e apertados, e tudo estava travado. Tive que broquear mais de 5 pinos (!) e 2 parafusos, que não consegui remover nem com maçarico etc.
 
A maioria dos itens reparados não tem muito de interessante, então coloco só algumas imagens.

Offline marc0

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #1 Online: 18 de Agosto de 2009, 21:37 »
Olá Ivan;

O grande e prestativo amigo Rubão, cometeu de direcionar essa máquina para as mãos certas.
Considero vc um artista da mecânica, ela não poderia estar em melhores mãos, e será com certeza restaurada a sua melhor condição e quiçá superior.
Parabéns (mais uma vez).

Abraços...

Offline Ivan

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #2 Online: 18 de Agosto de 2009, 22:01 »
A parte interna da plaina é o reservatório de óleo, para o sistema de lubrificação. O óleo estagnado por muito tempo (décadas?) virou uma gosma, misturada a cavacos e uma rica coleção entomológica de insetos mortos. Só saiu com muito limpador alcalino e lava-jato (!) na parte interna.


A desmontagem, limpeza e pintura das peças tomou mais de 1 mês de horas vagas. Não teve 1 peça que saiu fácil.

Aqui sendo remontada, o eixo longo precisou ser desempenado.




Bomba de lubrificação com a cabeça de uma das "válvulas" quebradas (pino cônico cabeça fenda com conicidade aprox. 1:50).



As linhas de lubrificação são todas soldadas, tive que cortar todas. O corte acabou facilitando o desentupimento (que levou 2 dias de horas vagas, estava tudo preenchido por um grumo).



Válvula nova, tive que fazer 3 até acertar a conicidade para não vazar óleo na frente nem atrás.





Parcialmente remontada



Fui fazer um fuso novo, e pelas dimensões da porca estava confiante em se tratar de uma rosca ACME 1/2 polegada 10 tpi. Afiei a ferramenta com 29 graus



e abri a rosca, mas o fuso não montava direito. Acabei usando a porca para fazer um molde da rosca, e constatei - para minha surpresa - que o fuso era métrico trapezoidal (!). Este é um raro exemplar desta plaina métrica. Afiei nova ferramenta com 30 graus e fiz um fuso de 12,5mm com passo 2,5mm (rosca esquerda, naturalmente).





Este montou como uma luva, sem folga mensurável nem atrito perceptível em toda a rosca. Fiz em aço 1213 (ressulfurado), pois como não tenho meios para garantir um acabamento superficial perfeito (retificado, lapidado, laminado), melhor fazer em algo que possa ser "alisado" pela porca, reduzindo o desgaste da porca após o amaciamento.

Montado, com porca e contraporca.



Até os parafusos das réguas deram trabalho. São todos 7/32" 24tpi. Nunca tinha visto esse tamanho. Liguei pra tudo quanto é loja de parafuso, ninguém tem nada parecido. Tive que fazer 2 no torno, aqui o de trava do carro da ferramenta. O da esquerda é o original, que algum brabo entortou.




O porta-ferramentas fiz em 1045, a bolacha também.





 
Na falta de uma morsa ideal, arrumei uma morsa para máquina econômica e fiz uma base giratória rudimentar para ela. Alguma hora faço uma morsa ideal pra ela, mas essa já resolve bem.






Offline Ivan

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #3 Online: 18 de Agosto de 2009, 22:19 »
Uma das peças que mais me preocupava era o sistema de avanço, que consiste em uma catraca reversível. Aqui dá pra ver uma plaina destas em operação, e o mecanismo que faz o avanço.

[/youtube]
Uma coisa legal desta plaina é que as extremidades do fuso de avanço transversal são "carecas" (sem rosca), assim ao chegar ao fim-de-curso ela fica patinando - ou seja, dá pra ajustar um corte com avanço pequeno e ir fazer outra coisa, sem medo de quebrar nada.
 
O mecanismo consiste de uma engrenagem catraca (de dentes retos), uma lingueta com mola e um êmbolo que trave para avanço para os dois lados e em uma posição neutra, para uso do avanço manual.
Esse é o original.





Essa engrenagem seria ideal para fazer na plaina, mas como ainda não fiz meu divisor, resolvi fazer no torno. Serviço lazarento. Deu muito trabalho e o acabamento não ficou maravilhoso, mas esta é uma das poucas engrenagens em que isso não tem problema (ela não engrena em outra engrenagem, mas só na lingueta). Fiz em 1045. Diâmetro 40mm, 50 dentes, espessura 10mm.



Para não haver desgaste rápido, achei por bem endurecer.
Forninho improvisado (não compensava usar a fornalha de alumínio pra isso). A engrenagem aqueceu ao rubro em poucos minutos, mantive uns minutos entre vermelho-claro e laranja escuro (entre 800 e 850 graus)


e temperei em água fria. Antes de aquecer, cobri toda a circunferência com sabão em barra - dizem que evita a perda de carbono e oxidação, impedindo a formação de carepa (escamas). Não formou nada, e toda a peça ficou bem dura, com a lima escorregando.

Fiz um revenido no forno "violeta" (uns 270 graus), para ganhar resiliência. Ainda ficou dura, creio que entre 45 e 50 Rockwell C.



As peças do corpo fiz em 1045 e pedaços de aço não identificado.


Provavelmente era médio carbono, pois após a solda ficou cheia de pontos duros.  A lingueta fiz a partir de um parafuso allen oxidado preto, que são de aço liga (qual?) já temperados e revenidos (38 - 40 Rc)
 
Aqui a peça pintada e montada em um cotoco de eixo, só pra testar. Funciona perfeitamente.



 
Sei que é um mecanismo banal, mas achei ela tão simpática que fiz até um filminho.

[/youtube]

Offline Ivan

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #4 Online: 18 de Agosto de 2009, 22:22 »
Enoch,
agradeço muito o elogio, mas ainda falta bastante pra eu chegar lá :).

Pra concluir a plaina, faltam:
- Instalar o avanço
- Colar micrométrico
- Manípulo do fuso transversal
- Guarda da correia do motor
E uma mesa para ela.
Mas esses são (em princípio) mais fáceis.
Conforme for fazendo, posto aqui.

Offline F2S

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #5 Online: 18 de Agosto de 2009, 22:36 »

Uma beleza Ivan.

O Marco disse tudo . . .

Offline Rogério Ferreira

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #6 Online: 18 de Agosto de 2009, 22:56 »
Parabéns pelo capricho, está ficando excelente, vendo o filme daquela em funcionamento me lembrei da época de SENAI em qual utilizavamos a plaina para fazer um bloco com ranhuras dai limava até alisar para aprender a limar corretamente em esquadro. Se não me falha a memória a que usava lá tinha um sistema com cabo de aço ligado no porta ferramentas que levantava a ferramenta nas voltas e só tinha contato com a peça nas idas.

Offline RAranda

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #7 Online: 18 de Agosto de 2009, 23:09 »
Nobre AMIGO.....

Eu é que tenho que lhe agradecer pela amizade que sei que "conquistei".

Seu trabalho, dedicação e conhecimento são FANTÁSTICOS.

Lhe admiro demais.

Tenho certeza que quando eu crescer quero ser igual a você. hehehehehe

E tenha certeza que se precisar de mais alguma coisa é só gritar (e todos que me conhecem sabem disso).

Um grande abraço

E meus parabéns.

Rubens

Offline RAranda

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #8 Online: 18 de Agosto de 2009, 23:13 »
Uma curiosidade nobre Ivan..

Todas essas informações e documentos (valor dela no passado) você já possuia antes de te falar que ela existia?

Ou apareceram depois em suas pesquisa?

E por fim, o que usou para fazer os dentes da engrenagem e o rasgo da chaveta?

Muito obrigado.

Rubens

Offline RAranda

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #9 Online: 18 de Agosto de 2009, 23:33 »
Ivan....

Mais uma pergunta.

Embora seja e tenha escrito que o sistema de avanço é banal.

Poderia me contar como que uma mesma engrenagem e uma única lingueta é capaz de alternar o movimento de avanço desse dispositivo.

Pelo que pude ver, hora ele trava para o sentido horário, hora para o anti horário, é issso mesmo?

Pois ví que o sistema de trava da lingueta é único, mas com 3 posições.

Como está disposta essa lingueta que trava a engrenagem e inverte o sentido do travamento.

Abraços.

Rubens

PS. Desculpe se a pergunta é leda demais para você. rsrsrsrs 

Offline Ivan

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #10 Online: 18 de Agosto de 2009, 23:51 »
Rubens,
os documentos fui juntando depois que peguei ela (na verdade, depois que você segurou ela pra mim, quando fui buscar ela já tinha lido o manual e algumas outras coisas  ;D ),
Já tinha ouvido várias coisas dela por frequentar uns fóruns americanos de tornos South Bend, onde aparecia bastante coisa sobre ela.
Essa de valores na época
http://www.practicalmachinist.com/vb/showthread.php/south-bend-shaper-history-182823p2.html?highlight=shaper+history

Para fazer os dentes da engrenagem no torno usei um bedame deitado de lado no castelo, afinado para 1,5mm (podia ter sido um bit também, mas ia ter que eliminar mais material).
Com um divisor na mão, fazer essa engrenagem na plaina ia ser um passeio.


E a chaveta fiz na lima mesmo, também é serviço elementar para a plaina, mas ainda não fiz um suporte como estes para ferramenta.



A barra longa "entra" no furo da engrenagem, e vai cortando a chaveta interna.

A catraca de avanço é assim:


O êmbolo pode ser travado em 4 posições: 0, 90, 180 e 270 graus. As posições atravessadas (90 e 270) são mais altas, a lingueta fica recolhida, e não encosta na engrenagem. Assim, o mecanismo gira livre - para posicionar ou avançar o fuso manualmente.
Encaixando em uma das posições baixas (0 ou 180), a frente reta da lingueta bate no dente da engrenagem e não escapa, empurrando a engrenagem e girando o eixo no qual ela está chavetada. A traseira da lingueta, por ser em ângulo, "escapa" da engrenagem. A mola no êmbolo a empurra de volta para entre os dentes. É isso que faz o clec-clec característico. Girando o êmbolo 180 graus, o mesmo acontece, mas no sentido inverso.
Aqui tem de outra plaina, com as peças mais expostas.




Não sei se deu pra entender, quando estiver montada na plaina talvez fique mais fácil.

« Última modificação: 19 de Agosto de 2009, 00:11 por Ivan »

Offline RAranda

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #11 Online: 19 de Agosto de 2009, 08:05 »
Ivan....

Perfeito, nem precisava da explicação, só o desenho da lingueta já seria o suficiente.

O segredo está todo nela,

Pensei que era uma lingueta comum (chata), daí não estava conseguindo entender o mecanismo, mas vendo o desenho ficou tudo claro.

Um lado inclinado e o outro reto são o segredo de tudo.

Quanto a engrenagem, imagino o trabalho de vai e vem que teve para fazer todos os dentes, e a chaveta também.

Conhecia o sistema de feitura de chaveta na plaina, até pensei que havia feito na sua, por isso fez a base da morsa.

Mas mesmo na lima, ficou muito bom o serviço.

E tenho certeza que em breve terá um divisor em suas mãos.

Só não esqueça de postar novos "avanços" sobre o avanço. ehehehe 

Meus parabéns, como sempre um show de conhecimento e informação.

Não poderia ser melhor.

Abraços.

Rubens
« Última modificação: 19 de Agosto de 2009, 08:09 por RAranda »

Offline F.Gilii

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #12 Online: 19 de Agosto de 2009, 08:47 »
Ivan,

Mas que maquininha simpática... :D

Offline miyamura

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #13 Online: 19 de Agosto de 2009, 09:01 »
Fico simplesmente embasbacado com as habilidades do Ivan!

Parabéns!

Quando ele tiver uma fresadora não vai ter pra ninguem! hehehe

Offline Ivan

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Re: Reformando uma plaina South Bend 7"
« Resposta #14 Online: 19 de Agosto de 2009, 12:17 »
Quando ele tiver uma fresadora não vai ter pra ninguem! hehehe
Não fala assim que a plaina fica triste!  :)

Neste vídeo dá pra ver bem o funcionamento interno de uma plaina, com o retorno rápido. Fora a escala, é exatamente igual à minha.

[/youtube]

OBS - interessante escolha da trilha sonora, uma música de ninar tradicional americana, em arranjo e interpretação a cappella bem melancólicos, que (me) fala do movimento quase hipnótico da máquina, mas também de uma máquina que morreu com uma era.
« Última modificação: 19 de Agosto de 2009, 12:21 por Ivan »

 

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